Reflexão do Evangelho

A importância da coerência entre ensino e prática (Marcos 6.30-34) [Claudete Beise Ulrich e Carlos Luiz Ulrich]

A importância da coerência entre ensino e prática (Marcos 6.30-34) [Claudete Beise Ulrich e Carlos Luiz Ulrich]

1. Partindo do núcleo do Evangelho

O Evangelho de Marcos é muito mais um relato do que um discurso. O relato conta uma prática (Clévenot, p. 82).

No início do livro de Marcos, lemos Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Evangelho significa Boa Notícia. O evangelista quer dar testemunho e interpretar autenticamente Jesus de Nazaré, crucificado, morto e ressuscitado. Marcos mostra, claramente, a prática de Jesus. Prática histórica, que passou pela cruz.

A questão central em Marcos é a pergunta: Quem é Jesus? Essa pergunta move todo o Evangelho. A pergunta central se encontra em Mc 8.27ss. Ela é tão importante quanto a confissão de Pedro (Mc 8.29): Tu és Cristo. Porém, a pergunta Quem é Jesus? está intimamente relacionada à questão Quem é o verdadeiro discípulo de Jesus? Jesus não nega que ele é o Cristo; no entanto, proíbe aos discípulos que o digam a alguém (Mc 8.30). É o segredo messiânico.

Marcos 8.27-29 indica quem era Jesus para os discípulos. Em Mc 8.31, o próprio Jesus nos diz quem ele é: “Então começou ele a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que depois de três dias ressuscitasse.” O mesmo Pedro que acabava de confessar Tu és Cristo não consegue aceitar e compreender essa característica essencial da pessoa de Jesus… Mas Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo (8.32b). Jesus, porém, voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu Pedro e disse: Arreda, Satanás, porque não cogitas das coisas de Deus e sim das dos homens (Mc 8.33).

A incompreensão dos discípulos se mostra ao longo do Evangelho. Segundo Marcos, somente quem está disposto a seguir Jesus no caminho da cruz está em condições de compreender a sua mensagem, conforme Mc 8.34-35. Esse caminho implica uma determinada maneira de viver e não só uma compreensão intelectual da mensagem de Jesus. Esse caminho também é o do serviço… Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos (Mc 9.35).

Em Marcos encontramos também o núcleo da teologia luterana: o seguimento a Jesus passa pela cruz (teologia da cruz). A ressurreição passa pela cruz. Xavier Alegre também diz que Marcos apresenta uma visão de Jesus que se contrapõe totalmente a uma visão triunfalista de sua figura, como a que frequentemente encontramos nas esperanças messiânicas da época de Jesus (pp. 20-21).

Após essas rápidas pinceladas sobre o núcleo do Evangelho, vamos ao texto de Marcos 6.30-34.

2. A volta dos apóstolos

O texto de Marcos 6.30-34 encontra-se dentro do contexto da missão dos doze. Jesus chama os doze (Mc 3.13-19) e passa a enviá-los de dois a dois (Mc 6.7), faz recomendações sobre o modo de vestir, agir e comportar-se (Mc 6.8-11). Então, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse; expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo (Mc 6.12-13).

Marcos 6.30 nos conta que os apóstolos voltaram à presença de Jesus, depois da sua primeira atividade missionária. O termo apóstolos, derivado do verbo apostellein, enviar (6.7), denota o envio e a atividade dos doze (6.12). Os apóstolos têm aqui o sentido de os enviados. Os apóstolos contam a Jesus tudo o que tinham feito e ensinado. Aqui são muito importantes os verbos feito e ensinado. O fazer está ligado com o ensino. O ensino está ligado com o fazer.

Jesus se mostra muito sensível e atencioso para com os apóstolos. Ele lhes diz: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem numerosos os que iam e vinham (Mc 6.31).

É muito natural a necessidade que os apóstolos têm de compartilhar com Jesus a sua primeira experiência missionária. Necessidade de ficarem sozinhos… compartilhar e avaliar o que aconteceu… o que fizeram… o que ensinaram… Jesus toma a iniciativa. Ele convida: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto. A atitude de Jesus é pastoral. É poimênica. É pedagógica.

Será que isso não falta a nós? Afastar-se da agitação! Ficar junto dos/das companheiros/as de caminhada. Compartilhar e avaliar o ensino e os trabalhos/ serviços realizados… O método de trabalhar e ensinar. É preciso acompanhar muito mais as pessoas, para que o Sacerdócio Geral de Todos Crentes se torne mais efetivo e real. É necessário ter a sensibilidade de Jesus. A volta é importante. Não só o envio.

Também nós, pastor e pastora, com outros/outras colegas, devido à diversidade das muitas atividades, sofremos com a falta de tempo para nós… a intimidade… o recolhimento pessoal para a assimilação do trabalho e aprofundamento da prática. Jesus também nos convida para repousarmos e nos afastarmos da agitação.

O texto conta que os apóstolos foram sós no barco para um lugar solitário (Mc 6.32). Desde 3.9, quando Jesus se sente muito apertado pela multidão, ele usa o barco numa espécie de vaivém de uma margem para outra no lago de Tiberíades. O começo e o fim desses vaivéns estão bem marcados. Inicia em 3.7, quando as multidões chegam de todos os lugares (Judeia, Transjordânia, Fenícia), e termina em 8.29, quando Pedro diz a Jesus: Tu és o Cristo. Ao longo dessas travessias de barco, os doze descobrem pouco a pouco o fio condutor da prática de Jesus, à qual eles assistem e da qual participam. A partir de 9.30 aparece uma outra figura: o caminho (Clévenot, pp. 107-109).

No entanto, dá para perceber pelo texto que essa margem não era muito distante. Muitos, porém, os viram partir e, reconhecendo-os, correram para lá, a pé, de todas as cidades, e chegaram antes deles (6.33). As pessoas correm a pé para se encontrar com Jesus. São pessoas de todas as cidades. Mc 3.7-8 nos diz: Seguia-o da Galileia uma grande multidão. Também da Judeia, de Jerusalém, da Indumeia, de além do Jordão e dos arredores de Tiro e de Sidom uma grande multidão, sabendo quantas coisas Jesus fazia, veio ter com ele. A multidão são as pessoas que vêm de todos os lugares, pois são atraídas pela pregação e pelos ensinamentos de Jesus.

Jesus sente compaixão da multidão, porque era como ovelhas que não têm pastor. No AT, temos muitas passagens que falam que Deus é pastor do seu povo (Sl 23.1, 78.52, Mq 7.14, Zc 10.3 por exemplo). O povo é o rebanho de Deus (Sl 79.13, 95.7, Jr 13.17, por exemplo). Essa comparação recorda os primórdios da história do povo de Israel, povo de pastores nômades.

No NT, Jesus é o bom pastor (Jo 10.1-16). Ele veio para reunir, conduzir, guardar e defender (Mt 15.24, Jo 10.4, Lc 12.32, por exemplo), levar à pastagem da salvação (Mt 2.6, Jo 10.9, Ap 7.17) para julgar, isto é, purificar e distinguir dos outros rebanhos (Mt 25.31-46, l Pe 5.4). Ter Jesus como pastor é ter a paz, o repouso (Mt 9.36) e a vida abundante (Jo 10.10).

Jesus é sensível, humano… sente compaixão pela multidão… e passa a ensinar-lhe muitas coisas. Jesus reúne a multidão através do seu ensinamento. Marcos não especifica em que consistia esse ensinamento. E por quê? Uma frase talvez o esclareça: “Muita gente, tendo ouvido as coisas que fazia (Jesus), veio ter com ele” (3.8); o que atrai as multidões não é o ensinamento sob forma de “discurso”, mas sim o relato, propagado por mil vozes, daquilo que Jesus faz, da sua prática (Clévenot, p. 82).

Os apóstolos são aquele grupo que está mais próximo de Jesus. A multidão, porém, é como ovelhas que não têm pastor. Naquele momento, portanto, a multidão tem maior necessidade do que os apóstolos.

Logo após, o ensino é praticado na multiplicação dos pães. Jesus organiza a multidão em grupos, e o pão e os peixes são repartidos (Mc 6.35-44). Também nessa perícope encontramos a incompreensão dos discípulos (6.36-37).

3. Lições de Marcos 6.30-.14

Em nosso texto, o ensino é o ponto central. A perícope inicia contando a volta dos apóstolos, que relatam para Jesus tudo quanto haviam feito e ensinado. O texto encerra com Jesus ensinando muitas coisas à multidão. Esse ensino não é uma simples teoria, mas ensino que se torna prática na vida. Existe uma coerência entre ensino e prática. Jesus também tem o seu método de ensinar e fazer… por isso envia os apóstolos… organiza a multidão… reparte o pão… Não é só Jesus que ensina e faz, mas também aqueles/aquelas que o cercam devem ensinar, viver e guardar tudo aquilo que ele ensinou e fez. Os discípulos e discípulas são realmente dignos de serem chamados de discípulos/discípulas quando ensinam e vivem na prática/na vida os ensinamentos de Jesus.

Ao mesmo tempo, o texto nos mostra que o contato com as pessoas é muito importante. Não é possível ensinar sem viver junto com as pessoas, sem ter contato com as pessoas. Jesus estava próximo dos doze, mas também era cercado por outros grupos, entre esses a multidão.

Ser sensível às necessidades é outra lição. Jesus é atencioso, sensível à volta dos apóstolos. Mas também vê a situação da multidão… São como ovelhas que não têm pastor. Jesus se compadece. O grupo íntimo de Jesus não é exclusivista (só para si). Há necessidade de ficar sozinho, para repousar. Porém a multidão se apresenta mais necessitada para Jesus. Os olhos de Jesus ajudam os apóstolos também a se voltarem para fora… verem a situação da multidão.

4. Dicas para a pregação

a) Pedir para pessoas da comunidade contarem sobre sua prática missionária (de preferência pessoas que foram incumbidas de uma tarefa e receberam formação para desempenhá-la, por exemplo, líderes dos grupos de pessoas enlutadas, orientador/a do Culto Infantil, leitor/leitora, pessoas portadoras de deficiência, menores de rua, mulheres agricultoras…)

b) Encenação do texto de Mc 6.30-44, lembrando também o texto de Mc 6.7-13. Dando a ênfase à alegria da volta dos apóstolos (contaram tudo quanto tinham feito e ensinado). Jesus quer conceder um momento de repouso. A compaixão de Jesus pela multidão… ovelhas que não têm pastor.

c) Enfatizar o ensino de Jesus… Coerência entre ensino e prática. Jesus volta-se para os discípulos, mas também se volta para a multidão. A comunidade deve fortalecer-se a si, mas também deve estar voltada para fora.

5. Celebração

A celebração desse culto deveria contar com a participação de muitas pessoas da comunidade e ser preparada com antecedência por um grupo litúrgico.

As leituras indicadas de Jeremias 23.1-6 e Efésios 2.13-22 são muito importantes para a compreensão de Marcos 6.30-44. Sugerimos que essas leituras sejam leitas com um breve comentário sobre cada uma. Isso ajuda na assimilação da leitura bíblica.

Sugerimos que, na oração de confissão de pecados, o grupo litúrgico colete entre a comunidade as situações de pecados existentes. Na oração da coleta, pessoas da comunidade poderiam trazer um símbolo, representando alegrias e tristezas da vida, do trabalho, da família, da Igreja, da sociedade…

O Credo e o Pai-Nosso poderiam ser orados de mãos dadas, simbolizando o compromisso de fé e de amor ao próximo.

Deveria ficar claro, no todo da celebração, a importância da coerência entre ensino e prática… o que realmente significa ser discípulo/discípula de Jesus? Seguir Jesus significa também segui-lo na cruz.

6. Bibliografia

ALEGRE, Xavier. Marcos ou a Correção de uma Ideologia Triunfalista. In: Centro de Estudos Bíblico, N° 8, Belo Horizonte, 1988 (Artigo publicado na REVISTA LATINO-AMERICANA DE TEOLOGIA, tradução do Centro de Estudos Bíblicos).

CLÉVENOT, Michel. Enfoques Materialistas da Bíblia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 71-151 (Tradução Paulo Ramos Filho).

LANCELLOTTI, Battaglia Uricchio. Comentário ao Evangelho de São Marcos. Petrópolis, Vozes, 1978.

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